Após ano de estragos na produção em várias regiões, previsões iniciais de analistas para 2024 indicam queda na receita do setor
Em 2023, o clima virou assunto onipresente no agronegócio. Extremos climáticos deixaram um rastro de perdas e estragos de norte a sul do país. As mudanças climáticas potencializaram o El Niño, que provocou fortes chuvas no Sul, uma seca histórica na Amazônia e escassez de precipitações no Centro-Oeste. O tema não sairá mais do radar de quem atua no setor. E, diante de um El Niño persistente até abril, as previsões iniciais de especialistas sobre o desempenho do agro em 2024 não são as mais otimistas.
Neste ano, enquanto rios secaram e ribeirinhos não puderam pescar nem para sua subsistência na Amazônia, no Rio Grande do Sul, lavouras de trigo e arroz ficaram embaixo d’água. Em Santa Catarina, as plantações de maçã também sofreram com a chuva e agora demandam mais manejo contra doenças, e plantéis de aves para abate se perderam sob as águas. Só no Sul do país, o prejuízo do agronegócio foi estimado em R$ 28 bilhões até novembro.
Apesar desse cenário, o valor bruto da produção ainda deve atingir o recorde de R$ 1,159 trilhão este ano, 2,5% acima de 2022, segundo a última projeção do Ministério da Agricultura. Esse desempenho está relacionado ao recorde de produção alcançado por vários produtos, como soja, milho, cana e café. Pouca alteração deve ocorrer até o fim de 2023, pois as lavouras estão colhidas, com exceção do trigo em algumas regiões.
Também as exportações do agro se mantêm robustas, alcançando US$ 153,1 bilhões até novembro, com aumento de 3,6% sobre o ano passado. As vendas externas já representam quase 50% de todas as exportações brasileiras, segundo o Ministério da Agricultura.
Se depender da área plantada da nova safra, que deve crescer em várias culturas, as exportações do agro tendem a seguir firmes em 2024. Porém, analistas já começam a ficar mais céticos a respeito de novos recordes.
A razão é que a falta de chuvas atrasou o plantio da safra 2023/24 da soja — ou mesmo forçou o replantio da oleaginosa — no Centro-Oeste do país, maior região brasileira de produção de grãos. Com a semeadura da soja atrasada, o plantio do milho da segunda safra ficou prejudicado.
Afora isso, os preços do milho também têm desestimulado os produtores. O resultado deve ser uma menor área de milho na safra 2023/24. A preocupação também é persistente para o café da safra 2024/25. A falta de chuvas após as floradas nas principais regiões produtoras, como Minas Gerais, tem afetado o desenvolvimento vegetativo de parte das plantas.
Nesse cenário de queda provável na produção e de uma economia global ainda em desaceleração, a expectativa é de que a pressão de baixa sobre os preços dos grãos permaneça em 2024, avalia Fabio Silveira, sócio diretor da MacroSector. Com isso, a receita dos produtores de grãos não deve crescer no próximo ano, avalia.
“Em 2024, a receita dos grãos tende a cair por causa da queda de produção e com melhoras muito pequenas de preços para soja e milho ”, projeta.Ele estima, por ora, que a receita dos grãos (arroz, algodão, feijão e trigo) deve até fechar em baixa neste ano (sem considerar a inflação), em R$ 607,8 bilhões.
O próprio Ministério da Agricultura já traçou uma projeção preliminar de queda de 5,3% no VBP da agropecuária em 2024 diante de possíveis quebras nas colheitas dos principais grãos.
Na avaliação de Ricardo França, líder comercial de agronegócios do Santander, a perspectiva para a colheita de grãos da safra recém-plantada “ainda é uma incógnita”, já que houve adversidades climáticas na época de plantio no Sul e no Centro-Oeste. “Vamos ter que ver como essas plantas desenvolvem.”
Para os produtores que têm lavouras permanentes, a perspectiva é um pouco mais favorável devido ao cenário de preços mais alvissareiro para essas culturas e da possível melhora de produção, como da cana-de-açúcar. “Cana, café e laranja devem ter preços melhores no ambiente internacional, o que compensa parte dessa redução da receita de grãos em 2024”, indica Silveira. A consultoria estima receita recorde para os produtores de “soft” commodities, de R$ 242 bilhões. Com isso, a receita agrícola total deve ficar estável em relação a 2023, em termos nominais, prevê.
No caso das carnes, a variável “El Niño” também pode pressionar os custos de produção relacionados à alimentação dos animais, mas as expectativas são um pouco melhores, com estimativas de alta de produção e exportações recorde.
O cenário é especialmente bom para a carne suína, já que o mercado global deve enfrentar um aperto na oferta e o Brasil deve ir na direção contrária, segundo Wagner Yanaguizawa, analista do Rabobank.
Receita estável
De forma geral, os analistas concordam que 2024 deverá ser para o agronegócio brasileiro um ano parecido com o que está se encerrando, com uma certa estabilidade na receita, após um período marcado por forte crescimento, entre 2020 e 2022.
Além disso, salvo mudanças drásticas no cenário político ou macroeconômico, o câmbio também não deve compensar preços internacionais menores de grãos. “Não se deve ter alta importante no dólar médio no Brasil, o que limita a elevação de vários preços”, afirma Fabio Silveira.
A principal diferença sobre 2023 deverá ser o alívio maior nos custos de produção, com a acomodação dos preços dos fertilizantes e demais insumos em níveis mais baixos, o que pode abrir espaço para um conforto nas margens.
“Esperamos que os preços dos fertilizantes não subam de maneira importante por causa da desaceleração econômica. Isso vai fazer com que a queda de rentabilidade agrícola em 2024 seja atenuada”, avalia Silveira.
França ressalta que a rentabilidade vai depender do resultado da produtividade. “Se o produtor conseguir colher [uma rentabilidade] próxima da média, a rentabilidade vai ser ok”, afirma. Já para os pecuaristas, a perspectiva de rentabilidade é mais firme, após um 2023 de margens apertadas. Mesmo para os avicultores, o custo pode ser na média menor do que em 2023, já que 2024 deve começar com preços bem inferiores aos de um ano antes, segundo França.